terça-feira, 24 de agosto de 2010

A Crise do Mundo Moderno à Luz de René Guénon

A Crise do Mundo Moderno à Luz de René Guénon

via Nacional-Cristianismo by NC on 8/17/10

René Guénon (1886-1951) escreveu A Crise do Mundo Moderno em 1927, precisamente no intervalo das Grandes Guerras Mundiais que desbastaram a Europa no plano humano, económico e social, reduzindo-a a escombros e submetendo-a a influências estranhas aos seus interesses. Já nesta altura Guénon declarava que o Ocidente tinha sido o embrião de um espírito anti-tradicional e que o sucesso das forças subversivas, ou satânicas, foi quase absoluto, restando no Mundo Ocidental apenas o reduto tradicional representado pela Igreja Católica, mas esta apresentava já sinais de decadência. Evidentemente, se Guénon tivesse podido assistir ao modernismo infiltrado e adoptado pela Igreja de Roma após o Concílio Vaticano II, em 1965, apenas lhe restaria admitir que a Tradição estaria irremediavelmente perdida no Ocidente. Ler mais

Guénon acusa os ocidentais de uma crença absurda num "progresso" infinito, cuja irracionalidade desse comportamento acarretará um qualquer cataclismo. No entanto, o fim do Mundo, que atormenta as multidões, não é mais do que o fim da civilização ocidental, sinónimo de civilização material, actual, ou seja, desta "idade sombria" onde reina a desordem. Neste momento apressamos a marcha descendente, afastando-nos cada vez mais das origens e do princípio universal, que é pura espiritualidade, traduzindo-se todo o labor moderno em movimento de queda. Do princípio divino avançamos rapidamente para o princípio da multiplicidade, que é demoníaco.

Os tempos modernos merecem a completa repulsa de Guénon uma vez que se instalou como um vírus, nas sociedades ocidentais, a ignorância e a incompreensão de tudo o que vai para além do visível em conjunto com a negação de toda a autoridade. Guénon ataca sem vacilações o uso que foi dado à filosofia, pois, sendo um grau transitório para a sabedoria, portanto um grau inferior ao verdadeiro conhecimento, «o desvio que se produziu depois consistiu em tomar este grau transitório pelo próprio fim, em pretender substituir a sabedoria pela "filosofia"». Realmente o Mundo Moderno engavetou a verdadeira sabedoria tradicional, supra-racional, e ostentou orgulhoso a Filosofia "profana", dessacralizada, sustentada pela sabedoria unicamente humana.

Apesar da derrocada do mundo tradicional, já em marcha há seis milénios, a Europa seria berço de uma nova ordem tradicional operada pelo Cristianismo da Idade Média, que desgraçadamente findaria no século XIV com a recuperação da decadência trabalhada pelo Renascimento. Mas, o Mal não adormeceu, a desordem acabaria por se estender também ao plano religioso, materializando-se na insubordinação da Reforma Protestante que se revoltara contra o espírito tradicional. O Renascimento trouxe o humanismo «querendo remeter tudo à medida do homem», o individualismo «negação de qualquer princípio superior à individualidade» e o nacionalismo que enfraqueceu a «unidade superior da "Cristandade"».

A civilização do Mundo Moderno traduz-se por uma «civilização que não reconhece nenhum princípio superior, que na realidade é baseada apenas numa negação de princípios» merecendo-lhe o estatuto de «civilização anormal e desviada». Em oposição, guardiã da Tradição, restava o conjunto das civilizações orientais.

O mestre da Tradição explica-nos a grande diferença existente entre o espírito tradicional e o espírito anti-tradicional. Assim, o primeiro reconhece a superioridade da contemplação, inteligência pura, em relação à acção, enquanto o segundo opta pelo oposto e situa a acção acima de tudo, «chegando mesmo, com o "pragmatismo", a negar que exista o que quer que seja de válido fora dela [da acção]». «É realmente esse o carácter mais visível da época moderna: necessidade de agitação incessante, de continua mudança, de velocidade sempre crescente». A inconsciência dos princípios universais arrastou a humanidade para a dispersão na multiplicidade, para o relativismo, arriscando a dissolução final deste mundo.

A sua teoria do conhecimento, a epistemologia tradicional, segue o valor inequívoco da intuição intelectual, ou seja a tradicional metafísica, a inteligência pura, em oposição aos modernos que abraçando René Descartes seguiram a via do racionalismo, redução da inteligência à razão, primeiro, e, pouco tempo depois, delirando com o revolucionário John Locke extremaram-se com o empirismo. «Depois de tudo isto, só restava mais um passo: era o da negação total da inteligência e do conhecimento, a substituição da "verdade" pela "utilidade". Esse passo foi o "pragmatismo" […] aqui, […] estamos verdadeiramente no infra-humano, com o apelo ao "subconsciente", que marca a inversão completa de toda a hierarquia normal.»

Como consequência imediata da desordem Guénen anota que cada indivíduo acaba inadequadamente por fazer o que as circunstâncias aleatórias determinam e não aquilo para que a sua natureza apontaria, e ainda devido à abolição artificial das diferenças entre os homens instituiu-se um pseudo-princípio altamente corrosivo a que se chamou "igualdade". Esta ideia é monstruosamente falsa porque não há dois seres iguais sequer, quanto mais o conjunto de todos os seres humanos iguais entre si, logo, visam, os agentes revolucionários com fins totalitários a nível mundial, como bem diz Guénon instituir uma uniformidade por nós inaceitável. As teorias igualitárias são o engodo de excelência usado pelos Senhores do Mundo para tudo e todos controlarem, conservando assim as massas sugestionadas em estado de semi-hipnotismo, uma vez que limitado na sua inteligência o homem não pode verdadeiramente emancipar-se.

A democracia não colheu a simpatia de Guénon por um simples motivo: «o superior não pode emanar do inferior». Para além desta válida razão Guénon aponta também um paradoxo à democracia: «é contraditório admitir que os mesmos homens possam ser simultaneamente governantes e governados», como tal sobressai a vil intenção dos manipuladores «a grande habilidade dos dirigentes, no Mundo Moderno é a de fazer crer ao povo que ele se governa a si próprio […] foi para criar essa ilusão que se inventou o "sufrágio universal"». Destas ideias perversas e subversivas forjadas pela modernidade decorre o ódio à elite e a oposição ferrenha à aristocracia, que é o «poder da elite», com existência exígua. Podemos então concluir que a democracia é a arte de sacrificar a minoria esclarecida à maioria embrutecida, e este é o cerne da mentalidade moderna.

Nesta bagunça de multiplicidade ideológica, sobressai o iluminista Immanuel Kant a quem Guénon não poupa a crítica afirmando que este filósofo chega a «declarar "inconcebível" ou "impensável" tudo o que não é susceptível de representação», esta análise estende-se aos modernos em geral que «não concebem outra ciência que não seja a das coisas que se medem, se contam e se pesam, em suma, das coisas materiais». Mas, para Guénon será o "pragmatismo" que sintetiza toda a filosofia moderna e juntamente com ele reaparece o utilitário "bom senso" devido ao qual Guénon nos adverte: «o "bom senso" consiste em não ultrapassar o horizonte terrestre, assim como em não se ocupar de tudo o que não tem interesse prático imediato».

A infelicidade crescente é impossível de travar nesta civilização quantitativa porque a vida se torna cada vez mais agitada e mais complicada, «o desequilíbrio não pode ser a condição de uma verdadeira felicidade», o número sempre crescente de pessoas a sofrerem de depressões prova isso mesmo. Para agravar o problema «a civilização moderna visa multiplicar as necessidades artificiais» e os indivíduos passam a depender de artigos que antes não precisavam, e «quanto mais um homem tem necessidades mais se arrisca a faltar-lhe qualquer coisa e, por consequência, a ser infeliz».

Para Guénon a Europa actual é indubitavelmente anti-cristã: «O Ocidente foi cristão na Idade Média, mas não o é mais». E para agravar a situação esta desordem aberrante nascida no ventre europeu estendeu-se para o Oriente, que ainda conservava a civilização tradicional, ameaçando contaminar o planeta inteiro.

A solução para restaurar a Ordem no Mundo não aparece fácil aos olhos de Guénon porque este entende que não existe no ocidente uma elite intelectual organizada para o efeito, porém, reconhece que subsiste ainda alguma elite dispersa assente na força da verdade, mas infelizmente sem capacidade de coesão. Guénon nutria especial simpatia pela civilização islâmica pois considerava que esta se aproximava muito do que foi a civilização ocidental da Idade Média. No seu pensamento, só uma elite intelectual, conhecedora dos princípios poderá recuperar a Ordem e salvar o Mundo inteiro da catástrofe que se adivinha.

Bibliografia: René Guénon, A Crise do Mundo Moderno, São Paulo, 2007.
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