domingo, 20 de abril de 2008

LER OS OUTROS

via Da Literatura de Eduardo Pitta em 20/04/08

Um livro cada domingo. O segundo número da Colecção Anti-Matéria é dedicado à micronarrativa. Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa, prefaciada por Henrique Fialho, é o resultado de uma selecção de Rui Costa e André Sebastião. O elegante volume vermelho-cardeal, que lembra os antigos livros de capa preta da Estampa, colige 22 autores, muitos deles bloggers, a maioria nascidos nos anos 1970. Mas também aqui coube Inês Lourenço, poeta, nascida em 1942; ou Filipe Guerra, tradutor de clássicos russos, em 1950. A selecção contempla autores com obra poética ou ficcional publicada em livro: casos, entre outros, além dos citados, de Paulo Kellerman, Rui Costa e Rui Manuel Amaral. Os organizadores pediram aos autores convidados que enviassem textos até ao limite de 200 palavras, tendo sido aberta uma excepção. Num prefácio bem fundamentado, Henrique Fialho fixa o paradigma da micronarrativa algures entre a anedota e o haiku, conceito com elasticidade bastante para incluir as Fábulas de La Fontaine, os Fragmentos de Novalis, os Epigramas de Goethe, os Analectos de Confúcio ou os poemas em prosa de Baudelaire, sem esquecer o contributo decisivo de autores tão diferentes quanto Jorge Luís Borges, Ana Hatherly, Raymond Carver, Júlio Cortázar, Ramón Gómez de la Serna, Augusto Monterroso, Ruben Darío, Mário-Henrique Leiria, Daniil Harms, Dalton Trevisan, Luís Miguel Nava, Adília Lopes e outros. Como não podia deixar de ser, as prestações são desiguais. Contudo, elas permitem tomar o pulso a um punhado de novíssimos de quem ainda ouviremos falar. É devida uma palavra de apreço aos organizadores da antologia, bem como aos autores que aceitaram participar. É assim que se faz, sem o álibi de que o jornalismo cultural não dá por eles. Os novos não podem ficar à espera que o mainstream ajuste os holofotes. Ou avançam por conta própria, como estes fizeram, ou morrem na praia.



Adolfo Mesquita Nunes: «Se nenhum dos candidatos consegue fazer uma listinha com mais de 10 aspectos, mais vale que fique em casa. [...] E isto vale sobretudo para Manuela Ferreira Leite ou Aguiar-Branco.»

António Eça de Queiroz: «Aquele simpático agrupamiento desportibo que dá pelo nome de PSD bibe actualmiente momientos que traiem uma luanga história a serbir com denuâdo a berdade desportiba. [...] Faz algum sientido cuntinuar a miscigenar sem puduâre nem jeito o fraco futebol e a baixa política, nesta altura do cãopeonato? É claro que não! Mas aquele rapaz do PSD, o Estebes (Rivau!) é que insistiu na música – e eu nunca fuijo a probocações (carago!). Mal Meniêzes atirou a toalha ao chão logo surgiu esse exempelar da fauna ribeirinha a lembrar que "aquiele rapaz que era defiesa no FCP dizia que prognósticos só no fim…" [...]»

João Gonçalves: «Por este andar, o porteiro da sede, à Lapa, vai ser candidato. Sócrates até já se dá ao luxo de aparecer "mais" socialista.»

Manuel S. Fonseca: «Se disserem que o Pedro atravessou a vida como um cavalo alazão, nervoso e sempre a galope, não direi que é mentira. O Pedro escreveu poesia, amou centenas de mulheres, escreveu teatro (com prémio em Chicago) e revista, bebeu milhares de garrafas, fez versos para canções, amou outra vez as mesmas e outras mulheres, fez rádio e televisão o que celebrou com mais garrafas, fossem de absinto, do seu whisky ou de nobre tinto, foi actor ou realizador e foi delicada e apaixonadamente amado pelas mulheres que amou e até pelas que não terá tido tempo para amar [...] Mesmo quem não saiba nada disto, sabe de certeza que ele (iniciado nos mistérios do cinema no Colégio Militar) fundou as quatro salas do Quarteto.»

Paulo Gorjão: Manual de candidatura.

Rodrigo Moita de Deus: «Lembro-me de José Pedro Aguiar-Branco como ministro da Justiça de Santana Lopes. Uma das primeiras medidas foi mandar reservar para si a porta principal do ministério. Os funcionários passaram a entrar pelas traseiras. Era evidente que alguém assim ia chegar longe.»

Ulrich: «Desempacotando a minha biblioteca reparo que depois de tantos anos a queimar pestanas com deleuzes e derridas e barthes e foucaults e prousts e musils e ponges e austers e calvinos e delucas e kants e hélderes e giles e benjamins e alexandres e flauberts e stendhals e duras e bergsons e camus e gusmões e becketts e butores e quignards e handkes e llansóis e bhabhas e spivaks e cliffords e rimbauds e williams e sófocles e nietzches e o caralho, continuo sem saber resolver determinadas e enquinadas coisas da vida como por exemplo esquecer um corpo que foi de outros e que depois foi nosso e que voltará a ser de outros; escolher um lugar para viver; retribuir a quem me ama, afastar-me quando assim não o seja; aceitar a vinda do acontecimento; ser um homenzinho quando as circunstâncias assim o exigem; e outros tantos enigmas que nos habitam e para os quais nenhum livro nunca dará uma resposta.»

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