domingo, 27 de janeiro de 2008

LER OS OUTROS

via Da Literatura by Eduardo Pitta on 1/27/08


Um livro cada domingo. Nunca ouvira falar de Américo Cardoso Botelho (n. 1918), um dos fundadores da Clínica do Restelo, ou seja, o actual Hospital de S. Francisco Xavier, em Lisboa. Américo Cardoso Botelho, engenheiro de formação, chegou a Angola no dia 9 de Novembro de 1975, para assumir funções na administração da Diamang, a contra-ciclo da presença portuguesa no território (a independência do país verificou-se dois dias depois da sua chegada). Durante 15 meses, pôde exercer o cargo de que estava investido, deslocando-se com frequência ao Congo, Camarões, Botswana, Malawi e outros países africanos. Em Fevereiro de 1977 foi preso, e preso ficou, sem culpa formada, até Agosto de 1980. Holocausto em Angola é o relato desses 30 meses de cativeiro, que o subtítulo regista com exemplar secura: Memórias de entre o cárcere e o cemitério. Em 611 páginas de grande formato, o autor dá testemunho do horror. Leram Purga em Angola (2007) de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus? Pois o livro de Américo Cardoso Botelho — que tem um capítulo de 68 páginas exclusivamente dedicado ao 27 de Maio de 1977, isto é, ao impropriamente chamado golpe Nitista, tema aliás recorrente ao longo da obra — consegue a proeza de trazer à colação um coeficiente de horror ainda maior. Enquanto o livro de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, porventura mais ideológico, tem enfoque na matança do 27 de Maio de 1977, o de Américo Cardoso Botelho, predominantemente factual, começa antes e acaba muito depois, fazendo grande angular sobre as circunstâncias que permitiram a barbárie. Dois subcapítulos, ‘Testemunhas privilegiadas’ e ‘Fragmentos de Vidas’, recuperam histórias individuais de vários portugueses apanhados pelo terror: entre muitos outros, Telles Grillo, o major Costa Martins, Manuel Ennes Ferreira, Vasco Pereira, Maria do Céu Veloso, que presumo seja Maria da Luz Veloso, pois os incidentes biográficos coincidem. ‘Memórias da Coragem’ faz o mesmo do lado angolano. Ao longo do volume, as indispensáveis notas de rodapé permitem estabelecer nexos e seguir o percurso (até aos dias de hoje) de quase todos os protagonistas — fautores e vítimas — do Holocausto angolano. Para quem, como Américo Cardoso Botelho, não é historiador, e tem a humildade de ficar pelas memórias, Holocausto em Angola presta um inestimável serviço à memória colectiva de portugueses e angolanos. A organização do índice permite um bom cotejo de personagens e acontecimentos. Um apêndice reúne fac símiles de inúmera correspondência oficial e oficiosa (cartas de Neto, Chipenda, Wandalika, Pio Deiana, Marie-Gertrude Motema, Zeca Pinho, Rosa Coutinho, etc.), bem como outro tipo de documentação. Um portfolio fotográfico completa o volume, que é prefaciado por Simão Cacete. Longe de recensear a obra, limito-me a uma chamada de atenção. Uma coisa é certa: a História vai-se fazendo.



Não tenho por costume anunciar novos links. Isso não quer dizer que a coluna da direita não sofra as alterações que o meu critério impõe: entradas, saídas, mudanças de secção ou de endereço (sim, as mudanças de servidor são actualizadas assim que sou informado). Hoje, por exemplo, há uma entrada: o Azinhaga da Cidade, que descobri ontem à noite por puro acaso e, por razões que a sua autora perceberá, é naturalmente muito bem-vindo.


A estratégia libidinal de Sarkozy, segundo Isabela.

Um poema de Jorge Aguiar Oliveira à atenção da Câmara de Lisboa.

Tomás Vasques e a tenda da SIC.

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